"Sonho que sou alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!
E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quanto mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho...E não sou nada!..."
Florbela Espanca
É já no sábado que decorrerá a apresentação da antologia "Poesia Sem Gavetas" editada pela Pastelaria Estudios Editora e na qual participo com 3 poemas.
Aqui fica um dos seleccionados.
Janela Lembro-me bem como gostavas daquela janela. Virada para o mar, pintada de azul, abraçava a tua vista e afagava-te a memória. Mal os primeiros raios de sol beijavam os lábios do dia,lá ias tu, ligeiro, pousar os teus sonhos no parapeito de madeira já seca. O rebentar das ondas embalava-te as lembranças, o cheiro da maresia perfumava-te os sentidos e invadia o quarto. Depois voltavas. Revigorado. Sorrindo. Sempre. Delicadamente depositavas um beijo salgado na minha boca e nesse doce despertar eu me entregava, aconchegando-me nas conchas dos teus braços, procurando as pérolas que sempre guardavas para mim. E a janela permanecia aberta, trazendo até nós os gritos de liberdade das gaivotas. Mas naquele dia não te levantaste. Adormeceste asfixiado pela escuridão da noite. E a janela de que tanto gostavas não mais se abriu. As persianas cerraram-se e choram até hoje a tua ausência.
Caminho trôpega por trilhos agrestes Na ânsia de chegar Onde nenhum pássaro ainda ousou fazer ninho. É esse o meu lugar! E eu que não tenho bússola Eu que sou arrastada pela monção Não desisto. Vejo o amor a nascente Pressinto o prazer no ocaso Mas a paz... Ah! A paz. Essa está para além de qualquer direcção e nenhum mapa a tem assinalada. Contudo é ela o meu Norte
Quando a tristeza é profunda
Não feches a porta, abre uma janela!
Quiçá uma pena de andorinha
Entre por ela e se aconchegue a ti,
Trazendo consigo os cânticos frescos da primavera em flor.
O chão se fez céu das aves e o espaço virou terra firme dos homens. Nada é como me contaste. Como sonhei, sentada nos teus joelhos, vendo o mundo passar em tiras coloridas onde o azul brilhava mais forte que o sol que sempre trazias nos lábios. Nada é como as histórias que me ensinaste, como a magia que te saltava dos olhos quando me embalavas com doces palavras para eu sonhar. Vi o mundo ao contrário. E agora? Como viver esta realidade sem ti? Deste-me asas, ensinaste-me a voar, mas não me preparaste para pousar e não ter o aconchego dos teus braços onde me aninhar. Parabéns, onde quer que estejas, Pai! Faltas-me...
Não fales de Amor. Que sabes tu do Amor Para te atreveres a proferir o seu nome? Não tens um olhar caloroso que te envolva. Não tens uns braços ternos que te enlacem. Não tens um coração meigo que se aconchegue ao teu. Não tens umas mãos delicadas que acariciem as tuas. Não tens uns lábios de framboesa que silenciem os teus. Não tens uma alma que compreenda a tua. Não tens. Porque os pássaros ganharam asas, aprenderam a voar. Saíram do ninho. Passam os dias em voos de descoberta e felicidade. E tu ficaste prisioneiro na gaiola da solidão. Por isso te digo: Não ouses falar de Amor.
Desfio com emoção o meu rosário de memórias. São tantas as recordações que compõem a minha história! Há um sorriso de saudade que se solta deste viver e chegam até mim vozes de criança, sonhos, projetos, olhares sedentos de saber. Dei de mim tudo o que podia. Ouvi quando queria gritar Sorri quando a tristeza me consumia Acarinhei quando também eu precisava de uma mão. Ensinei, aprendi, cuidei Fui pai, mãe, amigo, irmão. A vontade, a dedicação, a persistência, a vocação sempre pintaram os dias de amor que doei à educação. Tudo valeu a pena. Encerro esta viagem pelas esquinas do tempo. Espreito pela janela onde o sol ainda me acena. Sorrio. Tenho ainda tantas flores à minha espera noutros jardins.
Texto escrito para a sessão de homenagem ao pessoal docente e não docente que se aposentou no Agrupamento Vertical de Ponte de Sor .
Obrigada à direção do Agrupamento por confiar nas minhas palavras.
Queria ser uma bolha de sabão. Dessas coloridas e perfumadas que espalham felicidade e risos de criança pelo ar. Mas depois pensei que a sua passagem é efémera e rebenta num ápice, deixando marcada nos olhos a desilusão da magia quebrada. Quis então ser um papagaio de papel; voar bem alto e planar sob o azul do céu, orientada apenas pelas mãos inocentes de meninos sonhadores. Mas pensei que nem sempre o vento sopra de feição, nem sempre a pipa se eleva no ar, nem sempre os fios se deixam comandar. Decidi então ser só eu. Não tenho as cores da bolha, nem o perfume do sabão; não tenho a leveza do papagaio nem a capacidade de voar, mas tenho dentro de mim o sonho e a força sem fim de lutar.